Policiais pedem 2 milhões para liberar caminhão carregado de maconha

Escândalo da maconha: áudios revelam propina milionária para liberar 10 toneladas da droga no RJ
Um dos casos mais chocantes do crime organizado no Brasil veio à tona com exclusividade no Fantástico. Áudios obtidos pela reportagem revelam os bastidores de uma negociação criminosa envolvendo 10 toneladas de maconha, o Comando Vermelho e policiais civis. A carga, avaliada em milhões, saiu do Mato Grosso do Sul com destino ao Rio de Janeiro, disfarçada como frango congelado. O que deveria ser uma apreensão virou um acordo escuso nos bastidores do próprio sistema de segurança.
Propina milionária e corrupção: o crime infiltrado no Estado
O esquema começou a ruir quando o caminhão com a droga foi parado na Serra das Araras. Escoltado por duas viaturas da Polícia Civil, o veículo chamou a atenção da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que interceptou o transporte suspeito.
Ao invés de conduzir o caso conforme a lei, policiais civis iniciaram uma negociação clandestina. Segundo um dos áudios, a esposa do traficante Carlos Alberto Koerich, Lucinara Koerich, afirmou:
“Os polícia tão pedindo dois milhão pra soltar a mercadoria. Eles querem dar um milhão e meio.”
Essa frase escancara o nível de proximidade entre criminosos e agentes da lei, levantando sérias questões sobre a segurança institucional no Brasil e abrindo espaço para um debate profundo sobre corrupção policial e tráfico de drogas.
Tráfico protegido: advogados e policiais no centro da negociação
Os investigadores descobriram que os advogados Leonardo Galvão e Jackson da Fonseca atuaram como intermediários na liberação do caminhão. A Polícia Federal afirmou que os policiais civis usaram o celular do motorista para falar diretamente com os representantes da facção.
Em um dos trechos mais reveladores, o próprio Jackson reclama que o pagamento prometido não foi cumprido:
“Chega na hora, os caras levaram tudo, mano. A gente que agilizou tudo. Tem consideração nenhuma pelo colega.”
O acordo previa que 10% da propina ficaria com os advogados. Mas, como em qualquer organização criminosa desorganizada, a quebra de confiança gerou atrito até mesmo entre os cúmplices.
A liberação do caminhão foi formalizada com um documento manuscrito pelo policial Deyvid da Silveira, afirmando que “nada foi encontrado”. O veículo então seguiu até o Complexo do Alemão, onde descarregou a droga e retornou para o Sul do país.
Provas, prisões e liberdade: o vaivém da justiça brasileira
Apesar do flagrante sonoro, a carga chegou ao destino e abasteceu comunidades cariocas. No caminho de volta, o caminhão foi parado novamente e, desta vez, a PRF encontrou fragmentos da maconha suficientes para perícia — o que comprova o transporte de entorpecentes.
Foram presos:
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Policiais civis: Juan Felipe Alves, Renan Guimarães, Alexandre Amazonas, Eduardo de Carvalho e Deyvid da Silveira.
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Policial militar: Laercio de Souza Filho.
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Advogados: Leonardo Galvão e Jackson da Fonseca.
Entretanto, todos, com exceção de Jackson, foram soltos por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que alegou falta de provas do tráfico, já que o caminhão estava vazio. Eles agora respondem apenas por corrupção. Já Carlos Koerich, Lucinara Koerich e Marcelo Bertoldo permanecem presos, acusados de tráfico e organização criminosa.
Grupo secreto, escutas e a face oculta da lei
Durante a apuração, a Polícia Federal revelou a existência de um grupo de mensagens mantido por policiais civis chamado “Mente de um Vilão”, onde esquemas semelhantes eram discutidos desde 2020. Em um dos áudios, o agente Juan Felipe fala:
“A gente pode beliscar alguma coisa. (…) Arruma umas nota fiscal, entendeu? Vai ganhando e amenizando nossa dor.”
A frase mostra o quanto o crime estava institucionalizado entre agentes que deveriam proteger a população. A Polícia Civil afirmou que os envolvidos estão afastados e respondem a processo administrativo que pode resultar em demissão.
Em nota, o delegado Pedro Duran lamentou:
“A gente respeita muito o trabalho da polícia, mas lamenta a ousadia de quem, em vez de combater o tráfico, se associa a ele.”
O promotor Fabiano Oliveira completou:
“A sociedade deve confiar na polícia, mas ações como essa abalam a credibilidade do Estado.”
O que este caso revela sobre o tráfico e o sistema de justiça
Esse episódio evidencia um problema profundo: a infiltração do crime organizado nos órgãos de segurança pública. A confiança da população na Justiça e nas polícias é abalada sempre que escândalos assim vêm à tona. O caso também ressalta a fragilidade das investigações quando não há apreensão concreta da droga, mesmo com áudios e provas contundentes.
Este conteúdo serve como alerta: enquanto a corrupção corroer nossas instituições, o tráfico continuará vencendo, não pelas armas, mas pelos acordos obscuros firmados nas sombras do sistema.